A recente circulação de informações falsas nas redes sociais vem criando um falso dilema entre assistência social e incentivo à cultura no Brasil. Vídeos e publicações enganosas sugerem que o governo federal teria redirecionado fundos do Bolsa Família, programa de assistência às famílias de baixa renda, para financiar artistas por meio da Lei Rouanet.
Essa alegação, que afirma falsamente que muitos beneficiários teriam supostamente sido cortados da folha de pagamentos do programa social para que os recursos financeiros pudessem ser destinados para a Lei Rouanet, carece de fundamento e distorce completamente o funcionamento tanto do programa social quanto do incentivo cultural.
Cortes do Bolsa Família não estão relacionados com a Lei Rouanet
Primeiramente, é crucial entender que o Bolsa Família, que foi temporariamente substituído pelo Auxílio Brasil durante a gestão de Jair Bolsonaro (2019 – 2022), retornou ao seu formato original em 2023. Durante a transição, uma revisão cadastral rigorosa identificou milhões de cadastros desatualizados ou inconsistentes, levando ao cancelamento de cerca de 3,7 milhões de benefícios.
Contudo, os beneficiários que atualizaram suas informações tiveram seus auxílios restabelecidos. Em fevereiro deste ano, mais de 21 milhões de famílias foram contempladas pelo Bolsa Família, com um pagamento médio superior ao último registrado pelo Auxílio Brasil em dezembro de 2022. Ou seja, os cortes ocorreram por conta de irregularidades, e novos beneficiários regulares entraram no programa.
Por outro lado, a Lei Rouanet opera através de um mecanismo de renúncia fiscal e não implica na transferência direta de fundos do Orçamento Federal para projetos culturais. Artistas e produtores culturais com projetos aprovados recebem autorização para captar recursos de empresas e pessoas físicas.
Os patrocinadores, por sua vez, se beneficiam de incentivos fiscais, podendo deduzir os valores doados de seus impostos de renda. Dessa forma, os recursos destinados à cultura por meio da Lei Rouanet não saem diretamente dos cofres públicos, mas sim de parte do imposto devido pelos patrocinadores.
Além disso, segundo informações do site Aos Fatos, a análise de casos específicos de artistas mencionados em conteúdos virais mostra uma realidade distinta da sugerida pelas narrativas enganosas. A atriz Claudia Raia, por exemplo, teve uma proposta cultural aprovada recentemente, mas até o momento, não captou os valores necessários para a execução do projeto.
Outros artistas citados, como Emicida, Ivete Sangalo, Ludmilla, Maria Bethânia e Lázaro Ramos, não possuem propostas aprovadas ou captadas para o ano de 2023.
Importante também é a constatação de que as imagens de famílias em situação de pobreza utilizadas nas publicações enganosas são antigas e descontextualizadas, sem relação direta com os cortes atuais no Bolsa Família. Algumas dessas imagens datam de anos ou até mesmo décadas antes da revisão cadastral mencionada, distorcendo a realidade dos beneficiados e da política social em questão.